Do Banheiro Dum Ônibus

Quem sabe o que aconteceu?
Na verdade, não se sabe por que ele esqueceu
A tranca poderia estar muito bem trancada firme
Forte, impossível de outro entrar
Mas não estava, frágil tanto quanto ele era a tranca
Aberta, escancarada como o coração

Ela pegou na maçaneta e puxou a porta
Sem saber qual cena a esperaria por lá
Exceto a certeza de encontrar vazia a cabine
Mas não estava, de todas as possibilidades
Críveis num horizonte de expectativas
Aquela era a mais improvável
Poderia estar lá um homem ou mulher
A cagar
A mijar
A lavar
A secar
A foder até
Mas não, ele estava chorando
E a única reação dela foi observar fugaz
(assustada)
E antes de fechar de tudo a porta
Ela a abriu novamente para se assegurar
(apenas numa frestinha)
De que eu estava chorando
Se assegurar da minha fraqueza num lugar
Onde não convinha tal sentimento
E só então ela fechou a porta delicada
Suave como se fosse necessário à situação

Tranquei a porta como se trancasse os olhos
Lavei o rosto despistando o traço da tristeza
E saí do banheiro
Nos olhamos nos olhos, eu e ela
E era como se nada tivesse acontecido
Ela entrou no banheiro e trancou a porta
Atrás de mim
Trancando também o frágil momento
Atrás de mim
Segredo negro como a noite que passava rápida pela paisagem

Ninguém sabe o que aconteceu
Com a exceção de uma pessoa

E não era ela.