Escritos de Afeto

pois afetar e ser afetado é o que nos resta

Month: April, 2024

Despedidas

Dói levá-lo ao bolso
Como cédula que esquecida
Não existe

Lava-se a roupa
Esfrega-se a mancha
Mas resiste em insistência

Solução seria tirá-lo
Arrancá-lo sem notar a dor
Como curativo-mágoa
Que cura e ressente

Ainda assim não o faço

Meus dedos o encontram
Acariciam ao fundo do forro
Sua mais macia celulose

De repente um corte
Papel-lâmina que abre fenda
E lambe lânguido a gota
Que produz minha pele

Ao chupar onde machuca
Percebo a profundidade da ferida
Preferindo esquecer

Alien

Persegue-me quieto na treva da nave
Frio casulo que prende e faz hábito
Ao imponderável desolador

Isola-me de qualquer familiaridade
Pele-piche que brilha luzente luz débil
Teu sorriso é em dobro e causa espanto
Ao horror da sua alegria quando caças

Transforma-te em matéria onírica
Impregnando intimidades ficcionais
Meu sonho tu povoas enigmático
És potentemente impiedoso

Aponta-me faminto o insondável
Ácido que corrói carne e cerne
Queimadura em casco duro
Dói tocar-te e marca sentir-te

Nada te escapas
Ninguém te sobrevive

Medusa

Ó Musa
Um suicídio parcial
Quem sabe uma morte à la carte
Deixa-me escolher aquilo que petrificas?

Empedra-me órgão
Em vez de corpo?
Enrijece parte
Em lugar do todo?

Teu olhar-bote
Que derrota homens
Decide o que torna pedregulho?

Se dói coração, podes deixá-lo imóvel?
Se dói coração, podes transformá-lo peso?
Se dói coração, podes virá-lo maciço?

Não te bastaria apenas
Olhar o meu peito?
Observar atenta a dor
Que reside e insiste?

Toma-me do sentimento à carne
Toca a epiderme da rocha
Enquanto fecho os olhos e permito
A pulsação endurecer-se sob teu poder
Ó Medusa